terça-feira, 5 de novembro de 2013
"A graça de trabalhar" - Carta do Ministro Geral dos Frades Menores Capuchinhos
Carta de Fr. Mauro Jöhri, Ministro Geral dos Frades Menores Capuchinhos para a convocação do VIII Conselho Plenário da Ordem
A todos os Frades Menores Capuchinhos,
Às irmãs Clarissas Capuchinhas,
Aos irmãos e irmãs da O.F.S.
1. O VIII Conselho Plenário da Ordem
Caros irmãos e irmãs,
Na Carta Programática que enviei aos 02 de fevereiro do ano corrente, anunciei que, em comunhão com os irmãos Definidores, decidimos convocar um Conselho Plenário da Ordem com o tema “a graça de trabalhar”. Naquela ocasião acenei brevemente as motivações que deram origem à convocação deste evento. Com esta missiva, desejo propor alguns aprofundamentos sobre o tema e o faço compartilhando convosco fatos que pertencem à minha história pessoal. Dentro de pouco, tempo agradecerei ao Senhor pelo 50º aniversário de pertença à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos e durante este tempo assisti a muitas mudanças. Vivi a maior parte da minha vida na Europa e é verdade que os olhos com os quais vejo os fatos e eventos são aqueles de um europeu. Todavia, posso afirmar que o conhecimento da Ordem adquirido em sete anos no serviço como Ministro geral, confirmam que muitas mudanças que encontro na Europa, por causa do processo de globalização, estão se expandindo progressivamente em todos os continentes. Desejo ainda sublinhar que o próximo CPO deveria traçar uma linha de continuidade com os dois imediatamente precedentes, que nos ajudaram a refletir sobre os temas: “Viver a pobreza em fraternidade” e “Viver a nossa vida fraterna em minoridade”.
A reflexão sobre o trabalho nos coloca em relação com as fontes do nosso sustento e o trabalho que fazemos deve levar em conta dois valores centrais da nossa vida: a fraternidade e a minoridade. Estes aspectos serão aprofundados e desenvolvidos durante a preparação do evento que, desejo seja vivida, como uma ocasião de diálogo e formação para os frades.
Caros irmãos e irmãs, com alegria e viva esperança, convoco o VIII Conselho Plenário da Ordem, com o tema A Graça de Trabalhar, para Assis, em nosso Convento “Cristo Ressuscitado”, de 26 de outubro a 21 de novembro de 2015!
2. À escuta de São Francisco de Assis
Os frades a quem o Senhor deu a graça de trabalhar, trabalhem fiel e devotamente, de modo que, afastando o ócio inimigo da alma, não extingam o espírito da santa oração e devoção, ao qual as outras coisas temporais devem servir. Como mercê do trabalho recebam para si e seus irmãos o necessário para o corpo, menos dinheiro ou pecúnia, e isso humildemente, como convém a servos de Deus e seguidores da santíssima pobreza (RB V).
E eu trabalhava com minhas mãos (cfr. At 20,34), e quero firmemente que todos os outros frades trabalhem em trabalho que convém à decência. Os que não sabem, aprendam, não pela cobiça de receber o preço do trabalho, mas pelo exemplo e para repelir a ociosidade.E quando não nos derem a recompensa do trabalho, recorramos à mesa do Senhor, pedindo esmola de porta em porta (Test 20-22).
Estas palavras simples e fortes que São Francisco nos entregou na Regra e no Testamento, acompanharam inteiras gerações de frades ao longo dos séculos e continuam a ser fonte de reflexão e sã provocação também para nós. As palavras do Seráfico Pai nos alcançam num tempo e numa sociedade onde ocorrem mudanças radicais justamente no campo do trabalho, com consequências que impõem uma séria revisão sobre o nosso modo de sustentar-nos. Os processos da globalização e da secularização, criaram um modo novo de conceber o homem e suas atividades; a isto se acrescenta um progressivo afastamento da Igreja e dos conteúdos espirituais, éticos e sociais por esta anunciados. Certamente estas mudanças não chegam a todos os países do mundo com a mesma intensidade, mas devemos reconhecer que a mudança é de dimensões notáveis e frequentemente verificamos seu influxo e as consequências também na vida religiosa.
Estas breves e sintéticas reflexões estão na origem da proposta de viver um momento forte de reflexão que resumi no tema a graça de trabalhar. Nesta carta, consciente de que não sou nem um historiador nem um sociólogo, tentarei aprofundar as considerações descritas acima. Escolhi compartilhar e narrar o que eu mesmo vivi e observei durante os anos da minha vida de frade capuchinho.
3. Diminui o trabalho pastoral.
No final do meu relatório ao capítulo geral de 2012 observava: “ Nós capuchinhos, especialmente nos países do hemisfério Sul do mundo, estamos muito empenhados no campo da pastoral. Existem circunscrições onde a maior parte dos frades são dedicados ao trabalho paroquial. Aqui e ali os bispos começam a pedir-nos que entreguemos as paróquias que há um tempo confiaram aos frades, porque dispõem agora de um bom número de sacerdotes diocesanos. Seja esta a ocasião para diversificar o nosso serviço à Igreja e ao povo de Deus, abrindo-nos a novas formas de presença evangelizadora, prestando particular atenção àquelas formas que promovem a paz e o diálogo entre grupos e povos diversos.”(382)
Esta afirmação pode parecer em contradição com o pedido de alguns bispos europeus e norte-americanos que pedem a presença de nossos frades provenientes da jovens circunscrições ricas em vocações, para lidar com a escassez de presbíteros em suas dioceses. Não sou contrário a que os frades das circunscrições jovens assumam compromissos pastorais além dos confins de seus países, mas considero honesto alertá-los a respeito do fenômeno da secularização que está corroendo de modo significativo e rápido a prática religiosa. Notamos ainda que o próprio modo das pessoas que vivem no hemisfério norte do mundo mudou profundamente. A ação pastoral tradicional, concentrada sobretudo em atingir o maior número possível de pessoas através dos sacramentos sofreu notáveis mudanças e cada âmbito cultural e social apresenta características próprias que impõem adaptações e inovações aos irmãos das novas circunscrições que não compreendem as mudanças em andamento e desejam reproduzir a ação pastoral de seus países de origem, arriscando de, mais cedo ou mais tarde, abandonar o trabalho pastoral e de voltar às circunscrições de onde vieram.
Além disso, o número de pessoas que tacitamente e com declarações públicas renunciam sua pertença à Igreja, é em constante aumento, nos países que até não muito tempo faz, haviam uma presença católica muito consistente. Refiro-me de modo particular ao norte da Europa, mas isto vale também para o Canadá de língua francesa e outros países ainda. Estamos conscientes de que nos espera um trabalho pesado de nova evangelização, mas ao mesmo tempo constatamos a diminuição constante do trabalho pastoral e falo de modo particular daquele do tipo tradicional, pelo qual recebemos normalmente uma oferta.
As possibilidades de novas atividades pastorais não faltam, mas em muitas destas não poderemos esperar nenhuma compensação.
Prossigo a análise, apresentando uma situação que há anos acompanha a vida da nossa Ordem: a diminuição das contribuições ao caixa central da solidariedade econômica. A consequência deste decréscimo é a dificuldade sempre mais evidente em contribuir com os numerosos pedidos de subsídio apresentados pelas Circunscrições mais jovens da nossa Ordem, em particular da África e da Ásia. Muitas Províncias, que no passado compartilhavam generosamente parte das ofertas recebidas e do provento do trabalho dos frades com outras circunscrições, hoje não podem mais fazê-lo, ou o fazem somente de modo muito reduzido. O que aconteceu? Quais são as razões desta diminuição?
Todos afirmam, é verdade, que a causa principal deve-se atribuir à crise econômica que atingiu a Europa e outros continentes. Verificamos que estão diminuindo drasticamente as ofertas, mas também as entradas, fruto do trabalho dos frades, sofreram uma significativa diminuição. Atribuímos este fenômeno também ao decréscimo das vocações que ocorre em muitas Províncias e ao redimensionamento sem precedentes das nossas presenças. A idade média nas Províncias de fundação secular está em constante aumento; geralmente a maior parte das entradas das fraternidades é constituída pelos proventos das pensões de aposentadoria e este dinheiro vem usado em grande parte para cuidar dos frades anciãos. E é justo que seja assim, mas deste modo vem a faltar aquele excedente de Providência que um tempo vinha repartido com os nossos irmãos que viviam em contextos muito pobres, onde as pessoas não tinham condições de contribuir economicamente para com o trabalho e o ministério oferecidos.
4. “Rezem por nós!”
Além do que já descrevemos acima, considero que as razões dessa crise são ainda mais profundas e são imputáveis a algumas mudanças de mentalidade em andamento na nossa sociedade. Desejo dar alguns exemplos tirados da minha experiência de frade capuchinho. Poucas semanas após ter vestido o hábito capuchinho no noviciado de Arco de Trento, fui enviado com os outros irmãos noviços ao campo, nos arredores, para esmolar uva. Isso nos permitia produzir um bom vinho sem nenhum custo. No curso do ano, eram sobretudo os irmãos leigos da fraternidade a sair para pedir azeite, batatas, lenha e outros produtos.
Um irmão ia quotidianamente à cidade para esmolar pão. A grande horta do convento nos fornia de fruta e verdura em abundância. Notemos que não estou contando episódios do início de 1800, mas datam de 1964, 50 anos atrás!
Voltando à Suíça para o estudo de teologia, na primavera e no outono, suspendíamos por uma semana os estudos e todos saíam para os vilarejos no entorno para esmolar. Normalmente o povo nos dava dinheiro e, salvo alguma rara exceção, éramos acolhidos com grande cordialidade. Por quê as pessoas eram generosas conosco e não batiam a porta na nossa cara? Creio poder dizer que, entre as pessoas que nos beneficiavam e nós frades, existia um pacto não escrito, mas que vinha respeitado com fidelidade e eficácia. Explico-me: no coração e na mente do povo, nós frades, éramos aqueles que, tendo escolhido dar a vida a Deus, tínhamos uma tarefa particular: a oração de intercessão por todas as pessoas que, com suas ofertas e seus dons, nos manifestavam a Providência do Senhor.
A nossa vida de oração e de renúncia cumpria e integrava aquela parte de devoção que a maior parte dos fiéis não tinha condições de viver, mas que considerava boa e necessária. Dito de modo sintético, o raciocínio é este: “Vocês frades rezam e levam uma vida austera e os frutos de tal conduta de vida diante de Deus retornarão também em nosso favor. Vocês transbordam a medida com o que seríamos chamados a fazer todos nós, mas por tantos motivos contingentes não conseguimos cumprir, por isso têm o direito de bater à nossa porta e de pedir uma ajuda para o vosso sustento. Vocês rezam também por nós e nós estamos dispostos a apoiar-vos!” Aos olhos do povo de Deus a nossa presença havia um valor fortemente simbólico.
Esta, trazia alguma coisa de tranquilizador e interferia na relação de cada um com Deus. Éramos considerados como homens capazes de apresentar ao Senhor as pessoas e as situações que estas viviam e esta intercessão vinha honrada com grande generosidade. Quantas vezes ouvimos dizer: “reze por mim!” E a pessoa que nos dizia isso colocava dinheiro em nossas mãos. Muitas pessoas continuaram a dar-nos ofertas mesmo depois que os irmãos não saíam mais para pedir. Depois da metade dos Anos Sessenta, apesar do padrão de vida na Europa e na América do Norte ter melhorado notavelmente, os frades capuchinhos, por causa do seu estilo de vida simples e pelo empenho profuso no trabalho missionário, gozaram sempre da ajuda de tantas pessoas. Existia a vontade de ajudar, de partilhar; confiavam em nós, certos de que a oferta chegaria com certeza, à destinação e serviria a qualquer coisa de bom e útil.
5. A mudança
O contexto sócio-religioso e a trama de relações que descrevi até aqui e na qual vivi não existem mais, ou melhor, lhes encontramos de modo marginal. Aquele pacto silencioso entre os frades e o povo progressivamente foi-se quebrando. Não muito raramente acontecia que, batendo em alguma porta, se ouvisse esta pergunta: “ Senhor, para qual organização ou obra está recolhendo fundos?” O enfraquecimento do nosso liame com o povo encontra sua explicação seja em relação à passagem do mundo rural àquele industrial e depois tecnológico, seja na forte influência que o processo de secularização exerce sobre o nosso modo de viver o Evangelho e a vida religiosa. Uma das consequências desta mudança é que também a nossa sustentação não usufrui mais das fontes que a alimentavam no passado. Esta constatação torna urgente a reflexão sobre o nosso trabalho para que adotemos escolhas que nos ajudem a olhar pra frente com a confiança n’Aquele a quem pedimos o pão de cada dia.
As novas gerações de frades, seja na Europa que fora dela, não conheceram o esmolar, mas certamente, também estas, foram beneficiadas pela generosidade do povo para conosco e isto graças àquele pacto acima descrito. Partilhamos o quanto recebemos e também parte do fruto do nosso trabalho, porque éramos conscientes de pertencer a uma única fraternidade internacional. A condivisão foi possível porque os frades procuraram viver sem tergiversar o que afirmam as nossa Constituições: “Tudo o que os frades recebem como compensação do trabalho prestado pertence à fraternidade e deve ser, portanto, entregue integralmente ao superior.” Cada casa passava o excedente à vida ordinária da Província e esta por sua vez, transferia o dinheiro à Cúria geral, que pensava como atender às necessidades daquelas Circunscrições que não tinham condições de sustentar-se autonomamente.
Na Igreja, os Capuchinhos pertencem às Ordens Mendicantes, esta denominação, que continua a figurar nas páginas do Anuário Pontifício, exprime a disponibilidade à itinerância, a uma vida pobre e essencial que não nos faz donos de nada. Como pobres, somos chamados a viver do nosso trabalho, conscientes de que o próprio ministério pastoral está sofrendo uma forte transformação. Um dos últimos sinais do pacto entre nós e o povo que continua a subsistir, mesmo que de forma sempre mais reduzida, é a oferta que recebemos para celebração das santas missas, mas também neste caso a diminuição parece ser irreversível.
Diante destas transformações nós não podemos permanecer passivos, com os braços cruzados; em cada parte do mundo, somos chamados a interrogar-nos sobre como entendemos sustentar-nos. O critério fundamental que deve guiar a nossa reflexão e que neste escrito desejo afirmar com força e clareza é este: o trabalho de cada frade individualmente deve estar em sintonia com o primado da vida fraterna. A inevitável especialização que uma atividade laboral exigirá, será capaz de salvaguardar este princípio? Quais são, por consequência, as escolhas que somos chamados a fazer e a promover? E qual tipo de vida fraterna entendemos promover num contexto profundamente mudado?
6. Qual tipo de fraternidade ?
Reflitamos agora sobre outra transformação que acontece em nosso meio e que incide fortemente no nosso modo de viver. Refiro-me ao pessoal que assumimos nas nossas dependências para vários serviços, dentro das nossas fraternidades. Existe quem se ocupe da cozinha, quem faz limpeza, quem lava e passa nossas roupas, quem atende ao telefone e abre a porta às visitas, quem cuida dos nossos enfermos. A maior parte destas pessoas recebe um estipêndio pela sua prestação.
Reafirmo o dever moral de cada fraternidade para com os empregados: se aja sempre com justiça, no pleno respeito das leis vigentes nos vários países, observando todas as normas em matéria tributária e de seguridade. Assumimos pessoas que nos servem e isto não é um fato irrelevante, mas ouso afirmar que esta prática tem também mudado progressivamente o rosto e inclusive a identidade das nossas fraternidades. A presença de pessoal remunerado nos permitiu estar mais livres para o trabalho pastoral, nos dispensou de fazer trabalhos que consideramos pouco ou nada gratificantes, como aqueles domésticos. Em muitos casos, mantendo in loco um número demasiado reduzido de frades. Estas considerações evidenciam como a vida fraterna já vem concebida e estruturada em função da atividade pastoral. As nossas casas correm o risco de se parecerem mais com casas paroquiais do que com conventos de irmãos que vivem a minoridade e a pobreza! Este modo de conceber e viver a vida fraterna enfraqueceu muito o seu significado simbólico e as consequências são a facilidade com a qual cedemos a comprometimentos: nos dispensamos da oração comunitária, das refeições em comum, da recreação e da celebração dos capítulos locais. Temos demandado grande parte do trabalho manual a terceiros e, agora, por causa da diminuição das entradas, somos constritos a rever a nossa práxis e as nossas escolhas.
Caros irmãos e irmãs, coloquemo-nos uma pergunta que deseja abrir uma reflexão sobre o nosso viver pessoal e fraterno: estamos dispostos a fazer da crise econômica, com todas as relativas consequências acima acenadas, uma oportunidade para verificar que tipo de vida fraterna queremos viver? A reação que normalmente observo diante de problemas econômicos é aquela de procurar proteger-se de modo precipitado, avaliando as situações somente do ponto de vista técnico e econômico. Somos chamados a redimensionar e a repensar o nosso estilo de vida. É assim impossível que assumamos e distribuamos os diversos deveres e serviços próprios da vida fraterna, propondo com força este valor desde os primeiríssimos tempos da formação inicial? (Const. 30,3). Estamos dispostos a fazê-lo com muita honestidade, vendo nisto uma oportunidade única para verificar a qualidade das nossas relações, nas quais podemos experimentar a beleza e a alegria de servirmos uns aos outros? Não se trata unicamente de reapropriarmo-nos do trabalho manual, mas de readquirir alguns valores originais e vivos da nossa vida fraterna.
No futuro, seremos chamados a diversificar, de modo significativo, as nossas atividades de trabalho e devemos fazê-lo privilegiando os princípios que guiam a vida fraterno-evangélica. É pois, impensável, que possamos viver como tantos irmãos e irmãs ou tantas famílias, que não podem permitir-se haver uma doméstica ou outros empregados e que para chegarem ao fim do mês devem manter estilo de vida sóbrio e essencial? Na medida em que cada irmão crescerá no senso de pertença à fraternidade, contribuirá para eliminar as comparações e diferenças que são frequentemente causa de sofrimentos e incompreensões: o frade que exerce um ministério ou profissão bem remunerados e aquele que se dedica majoritariamente aos trabalhos domésticos ou às atividades sociais sem nenhuma remuneração, contribuem de igual modo ao bem da única fraternidade. Desejemos que esta consciência se consolide sempre mais como patrimônio precioso das nossas relações.
7. O valor do trabalho para o frade
O trabalho não tem valor somente enquanto meio de sustento, mas é uma possibilidade dada à pessoa para que dê sentido à própria vida, contribuindo para a realização da própria humanidade. Assistimos consternados ao drama de quem fica longo tempo sem trabalho e vemos as consequências negativas que o desemprego produz nos âmbitos psicológico, relacional e familiar. Estas situações, às vezes dramáticas, nos ajudam a compreender porque é sensato usar o termo Graça quando falamos do trabalho. Cada um de nós gostaria de exercer um trabalho gratificante e possivelmente criativo que nos permita individualmente desenvolver plenamente os nossos dotes e portanto realizar a nós mesmos seguindo as próprias aspirações. Trata-se de um desejo legítimo que porém não pode entrar em conflito com as exigências da vida fraterna e do serviço recíproco. As escolhas inerentes à preparação ministerial a ser oferecida a cada frade, não podem ser adotadas sem levar em conta as exigências do bem comum. Deve-se trabalhar tendo presente, seja as atitudes do indivíduo que as necessidades da fraternidade, de modo particular daquela Provincial. O uso desse critério pode levar a experimentar momentos de tensão e algumas vezes acontece de pedir ao frade que acolha uma proposta que não corresponde às suas expectativas. Obrigado, irmãos, por todas as vezes que acolhestes alguma coisa que não vos agrada completamente, baseando o vosso sim no Conselho Evangélico da Obediência e no serviço à fraternidade. É necessário pedir ao Senhor a Graça de tornar concreto e visível o que afirmamos e pregamos a respeito da obediência, do sacrifício, da disponibilidade em servir até doar a própria vida pelo crescimento dos outros. Acolher a proposta de um trabalho ou de um serviço fraterno interpela a dimensão da nossa própria fé e exige uma contínua educação à oblatividade e à gratuidade.
Partilho agora uma situação que me suscita perplexidade e interrogações: Um bom número de frades teve a oportunidade de estudar, de concluir os estudos conseguindo o título de mestrado e ou doutorado. Infelizmente, constato que uma boa parte destes frades não coloca a serviço os conhecimentos adquiridos, às vezes porque são destinados a fazer outra coisa, outras porque se recusam a transmitir o que receberam.
Como pode ser que tantos dos nossos laureados, uma vez terminados os estudos, desertam completamente das trilhas da pesquisa e se conformam simplesmente em repetir sempre as mesmas coisas?
8. Capazes de dizer ”obrigado!”
Às vezes tenho a impressão de que entre nós falte o senso do reconhecimento. Não se é capaz de dizer “obrigado!”. Quando visito as Províncias, acontece frequentemente um embate com uma série de reivindicações: Queremos mais computadores, mais meios de transporte e outros instrumentos que nos façam sentir mais confortáveis e atualizados. Em poucas ocasiões ouvi palavras de gratidão por tudo o que temos que, na quase totalidade das Circunscrições, é certamente muito superior ao nível médio do padrão de vida das pessoas. A Ordem nos permite a dedicação em tempo integral ao estudo, liberando-nos da preocupação com o dinheiro e das obrigações que tantos cidadão devem honrar (impostos, seguros, etc.).
A gratidão se manifesta distribuindo do que adquirimos no tempo do estudo, trabalhando no campo do ensino e da animação cultural. O agradecer torna-se também concreto lavando os pratos e limpando o toalete. Colocar em comum o fruto do nosso trabalho nos permite viver dignamente, mesmo com pouco, e partilhar com os outros parte do que a Providência depõe nas nossa mãos. Esta é uma dimensão fundamental da nossa vida;a sua realização depende fortemente do senso de pertença à Ordem e à fraternidade que desenvolvemos ao longo do caminho da formação inicial e que cultivamos acuradamente durante toda a nossa existência.
As nossas Constituições nos permitem “depositar o dinheiro realmente necessário em bancos ou outros institutos semelhantes, mesmo com juro moderado” (66,3). Na Ordem, existem Circunscrições que confiaram a terceiros, terrenos ou imóveis de sua propriedade e pelos quais recebem uma renda regular. Outras Circunscrições de fundação recente, esforçam-se para realizar projetos de autossustentação com a intenção de produzir um ganho regular. Até que ponto podemos percorrer esta estrada? A realização de projetos, especialmente aqueles ligados ao uso agrícola de terrenos, revelou-se extremamente difícil e longe de ser rentável. Considero que não podemos, de maneira alguma, imaginarmo-nos financiados unicamente por este meio. Seria contrário ao voto de pobreza e nos afastaríamos muito daquelas pessoas que as Constituições descrevem “em modestas condições” (66,3). Penso que seja sensato um rendimento modesto produzido por somas investidas ou por imóveis alugados, que possa ser utilizado para financiar em primeiro lugar o trabalho dos nossos frades dedicados a obras sociais a serviço dos pobres e pelas quais não recebem estipêndio. Porém, mesmo nestes casos, não deveria faltar o dever da caridade e solidariedade partilhadas entre nós, que sintetizo e confio à responsabilidade que cada um de nós tem diante de Deus e dos irmãos: Recebi a graça de trabalhar e consciente de que tudo é dom, entrego o meu estipêndio, o dinheiro que recebo a título de oferta, à minha fraternidade, contente por sustentar as necessidades dos meus irmãos, e em dar suporte à obra de quem trabalha com os pobres e os últimos da terra.
9. Concluindo
Caros irmãos e irmãs, a intenção desta carta é aquela de ativar a reflexão sobre o nosso trabalho e da Graça que este representa. Quis assinalar algumas situações sem a pretensão de exauri-las. Trabalharemos juntos nas várias fases que precederão, acompanharão e seguirão à celebração do Conselho Plenário da Ordem e desde já vos peço a disponibilidade para dar generosamente a vossa colaboração. Desejo, sobretudo, evidenciar que estamos ao ponto de uma reviravolta, seja para o que concerne à fraternidade enquanto tal, seja para o frade individualmente e por isso desejo encarregar alguns irmãos para que preparem uma contribuição baseada na nossa história e nas nossas fontes. É necessário rezar, refletir, procurar novas vias, e fazer escolhas inovadoras. Por isso é importante que toda a Ordem, que somos todos nós, deixe-se envolver neste tipo de reflexão e a comunique aos outros.
Para a preparação do CPO, constituímos um grupo de trabalho para que elabore ulteriormente o quanto esbocei nesta carta e que prepare um instrumento de reflexão que será enviado a todos os frades. A vossa contribuição permitirá que, depois, os frades que se reunirão por um mês em Assis, elaborem uma série de proposições a serem enviadas a toda a Ordem com o objetivo de orientar concretamente o nosso caminho.
Os irmãos da Comissão Preparatória são:
Fr Stefan Kozuh, Vigário geral, presidente;
Fr. Hugo Mejía Morales (Def. Ger.), vice-presidente;
Fr. Francisco Lopes (PR Ceará- Piauí, Brasil), secretário.
Membros:
Fr. Giovanni Battista Urso (PR Calábria, Itália);
Fr. Mark Joseph Costello (PR Calvary, USA);
Fr. Moses Njoroge Mwangi (VG Quênia, África);
Fr. Nithiya Sagayam (PR Tamil Nadu Norte, Índia).
Caros irmãos e irmãs, trago no coração a alegre certeza de que o Espírito do Senhor já está nos ajudando a fazer escolhas essenciais, simples e incisivas e desejo que esta beleza venha narrada e difundida entre nós. Apoiemos-nos mutuamente e recordemo-nos uns aos outros que a Graça do Senhor sustém e acompanha a nossa vida e o nosso trabalho. Cada um de nós com o olhar direcionado para Cristo e Francisco faça a própria parte. Quero que esta carta chegue às mãos de cada irmão da nossa Ordem, portanto, peço aos Ministros provinciais e Vice-provinciais, Custódios e Delegados, que providenciem para que isto possa acontecer do modo mais rápido possível. Obrigado!
Saúdo a cada um(a) de vocês com fraterno afeto,
Fr. Mauro Jöhri
Ministro geral